GOSTAR DO QUE SE FAZ:
UMA MANEIRA DE PREVENÇÃO!

 Jacob Melo

 

“Para aquele que usa de suas faculdades com fim útil e de acordo com as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido (...) (grifos originais.) (“O Livro dos Espíritos”) (1)

 

Examinando a problemática do suicídio, somos forçados a pensar nos factores considerados como indutores (suicidógenos) a tão funesto ato. Partindo do aval dos Espíritos da Codificação (2) e reforçando a argumentação por constatações as mais diversas, encontramos na ociosidade um dos mais arraigados factores predispostos ao auto aniquilamento. É sobre esse, mesmo sabendo que muitos outros factores também implicam directamente na questão em foco, que iremos tratar.

 

Consultando o Aurélio (3), temos por definição de ociosidade a “qualidade ou estado de ocioso, de quem gasta o tempo inutilmente; inactividade (...) Podemos daí inferir que a inutilidade de nosso tempo, quer por preguiça, mau uso ou incompatibilidade com nosso potencial, determina em nós um certo “estado de ociosidade”(4). É comum ouvirmos pessoas dizerem que estão com preguiça, sem que sejam, necessariamente, preguiçosas; que criaturas existem usando mal seu tempo sem que tenham, obrigatoriamente, se envolvido com actividades más, embora improdutivas ou pouco produtivas; por fim, há indivíduos que se perturbam muito, mesmo produzindo o bom e o bem, em decorrência de estarem agindo sem a satisfação que se adquiro quando “se faz o que gosta ”ou “se gosta do que faz”.

 

Afirma um ditado popular que “em cabeça vazia só entra o que não presta”. Apesar da generalização ser muito forte, é certo que os maus pensamentos encontram numa mente ociosa ambiente propício para se instalarem e se desenvolverem, criando verdadeiras ‘‘colónias’’ mento magnéticas de atracção pulsantemente (auto) obsessiva. O cuidado por bem ocupar a mente deve ser tomado com a dimensão que o sentido implica, pois, por mente ociosa, não se deve entender apenas aquela que não está voltada a uma actividade qualquer, mas o mau uso ou o uso indevido dos recursos mentais pode (e deve) ser igualmente catalogado como uso ocioso.

 

Como não pretendemos escrever um tratado sobre o assunto, mesmo porque não nos sentimos capacitados para tal desiderato, tomaremos tão somente as três situações acima colocadas, as quais, acreditamos, englobam um universo muito vasto de casos afins.

 

A preguiça, pernicioso elemento de personalidades ainda fragilizadas ante a necessidade de evoluir, induz o homem a um imobilismo degradante, já que se insurge contra a lei natural que nos sugere o “movimento”, a acção. Sua presença de uma forma mais constante na vida de uma criatura propicia uma visão distorcida da realidade, fazendo-a observar a agilidade, o trabalho e a produção como um erro da Natureza. Desse estado facilmente chega à ira contra os “sistemas”, os activos e os capazes; por se sentir “por fora”, inactivo e incapaz, distorce os fatos e vê na necessidade de agir uma imposição descabida, na ajuda que se lhe queira dar, uma intromissão indevida, e na realização dos outros um menosprezo vaidoso. Sentir-se cansado e parar para um repouso é parte da própria Lei Natural; parar para não fazer nada e depois deitar-se para descansar do cansaço produzido pelo nada feito é malbaratar a vida.

 

Usar mal o tempo, ainda que obtendo satisfações de apetites menos felizes, também repercute desastrosamente na personalidade humana, posto que O sentido de ser útil é necessidade básica de todos. Quando voltado apenas à satisfação pessoal, arroja-se à saciedade, outro factor suicidógeno; se praticado por desatenção ou irreflexão, a produtividade final sai comprometida, deixando a desagradável sensação de “tarefa não cumprida” ou “obrigação mal feita”. Repercutindo no psiquismo mais profundo do ser - onde não se consegue mentir para si mesmo, corre o risco de se sentir inútil, desnecessário, dispensável. Ou seja: abrem-se comportas à obsessão, ou auto obsessão, dando fácil guarida às ideias suicidas.

 

Mas algumas criaturas activas e dispostas, que usam bem seu tempo, também se vêem às turras com um sentido de ociosidade, mesmo quando trabalham tanto que mal lhes sobra tempo para o descanso diário recomendado. São os que estão na labuta honesta, produtiva, mas não satisfatória. Falta-lhes o prazer do “fazer aquilo que gosta ou gostaria”. Sofrem sem saber por que, ou quando sabem, por se sentirem incapazes de mudar. E dessa forma se entregam, desesperadamente, a um trabalho que não dá satisfação e, embora constantemente elogiados, se deprimem.

 

Se juntarmos os três factores citados, veremos que estão intimamente interligados, sendo que na base vige a falta de satisfação real. Basta olhemos os exemplos diários que a vida nos apresenta e reconheceremos antigas fortunas hoje em situação modesta, mas realizadas; senhores em anterior posição de mando, actualmente serventes, porém, com sorrisos nos lábios; criaturas antes indolentes e pessimistas, agora activas e harmonizadas. Qual o ponto em comum nesses exemplos? Tão somente a

 

descoberta da satisfação de se fazer o que se gosta. Mas, poder-se-ia perguntar: seria isso tudo? Estaria aí a solução de tão intrincado problema? É óbvio que não. Mesmo porque o fazer o que se gosta também está subordinado a outros factores, alguns deles por vezes intransponíveis numa determinada reencarnação. Contudo, se o fazer o que se gosta é possível, não compromete moralmente o indivíduo e o faz render o falado “algo mais”, não nos cabe opor obstáculos; ao contrário, é dever nosso descobrir e apresentar as oportunidades.

 

Muitas vezes, as ideias suicidas podem ser combatidas apenas com o preenchimento do vazio que habita o tendencioso ao ato, e esse vazio é constantemente nutrido pela falta de satisfação pessoal - no nosso ver, uma das variantes do ócio. Falamos de satisfação pessoal no sentido nobre do termo, aquela satisfação que, encontrada em todos os povos, lugares e condições, está à disposição de todas as criaturas, desde que se disponham a fazer o que gostam ou aprendam a gostar do que fazem. Para tanto, basta buscar agir e se desenvolver, de forma e com fim útil, nas “aptidões naturais”, como, de ordinário, sugerem os Bons Espíritos da codificação do Espiritismo. A despeito de adquirir-se novos hábitos ser, por vezes, dificultoso, se o objectivo é pretendido e valioso - e como a própria vida é e deve ser dos mais valiosos objectivos do homem - tudo nos impele, de forma natural, às adaptações necessárias; ou seja: quando se quer fazer o que se gosta, busca-se solução; quando não encontrada, faz-se a adaptação para que aquilo que se faz, faça-se com prazer. Assim agindo, muitas ideias suicidas não resistirão, por lhes faltar o “clima” gerado pelo ócio.

 

 

Fonte: Reformador – Novembro/1993

 

1 - KARDEC, Allan - Desgosto da vida. Suicídio. In: “Livro dos Espíritos”, Parte 4ª, Cap. 1, Questão 943, pág. 439, 73ª ed., abril 1993, FEB-Rio/RJ.

2 - Ver toda a Questão 943 reproduzida na página seguinte.

3 - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. In: “Novo Dicionário da Língua Portuguesa”, pág. 1212, 2ª ed., 1986. Editora Nova Fronteira - Rio/RJ.

4 - A expressão é valida, posto que não convém confundirmos ser ocioso com estar ocioso.

 

 

 

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