Emmanuel

       

         Este é o nome de uma das mais luminosas entidades espirituais a figurar nos arraiais espiritistas. Quando citamos o nome de Emmanuel, nos lembramos sempre do espírito humilde, generoso, de personalidade cujas características demonstram uma evolução intelecto-moral equilibrada, onde outros espíritos deixam a desejar tanto num, quanto noutro aspecto.

        A participação de Emmanuel no Espiritismo antecede o transplante do Consolador para praças brasileiras, pois Chico Xavier disse certa feita que ele foi um dos espíritos que participou da equipe que preparou a codificação da Doutrina Espírita, onde podemos verificar a assertiva do médium na mensagem do Evangelho Segundo o Espiritismo intitulada "O Egoísmo", do capítulo XI, item 11, assinada por este espírito.

        O primeiro contacto de Emmanuel com Francisco Cândido Xavier se deu em 1931, numa reunião mediúnica em Pedro Leopoldo (MG), no Centro Espírita Luís Gonzaga quando o médium de apenas vinte anos de idade pode ver pela primeira vez o mentor espiritual que lhe acompanharia pelo resto da vida. No prefácio do Livro "Emmanuel", Chico relata:

        "Eu psicografava, naquela época, as produções do primeiro livro mediúnico, Parnaso de Além Túmulo, recebido através de minhas humildes faculdades, e experimentava os sintomas de grave moléstia nos olhos. Via-lhe os traços fisionómicos de homem idoso, sentindo minha alma envolvida na suavidade de sua presença; mas o que mais me impressionava era que a generosa entidade se fazia visível para mim, dentro de reflexos luminosos que tinham a forma de uma cruz. Às minhas perguntas naturais, respondeu o bondoso guia: Descansa! Quando te sentires mais forte, pretendo colaborar igualmente na difusão da filosofia espiritualista. Tenho seguido sempre os teus passos e só hoje me vês, na tua existência de agora, mas os nossos espíritos se encontram unidos pelos laços mais santos da vida e, o sentimento afectivo que me impele para teu coração tem suas raízes na noite profunda dos séculos..."

        A história de Emmanuel até onde conhecemos, começa na Roma longínqua dos Césares, onde o espírito envergou o corpo do senador Públio Lentulus Cornelius, descendente de antiga família de senadores e cônsules da república romana.

        Em 7 de Setembro de 1938, Emmanuel ditou a seguinte mensagem ao grupo de estudos espíritas de Pedro Leopoldo, através de Chico Xavier:

        — "Algum dia, se Deus mo permitir, falar-vos-ei do orgulhoso patrício Públio Lentulus, a fim de algo aprenderdes nas dolorosas experiências de uma alma indiferente e ingrata.

        Esperemos o tempo e a permissão de Jesus."

        Semanas depois, Emmanuel cumpria a promessa de sua autobiografia com o início da produção mediúnica do romance "Há Dois Mil Anos".

        O livro conta a história de um orgulhoso senador romano casado com uma patrícia chamada Lívia, tendo o casal uma filha de nome Flávia Lentúlia, que era portadora de lepra, e um menino chamado Marcus.

        O autor espiritual descreve a figura do senador como um homem relativamente jovem, aparentando menos de trinta anos, não obstante o seu perfil orgulhoso e austero.

        No decurso da história, quando o senador e a família viajavam para Jerusalém, acompanhados de pequena expedição militar, ocorreu um imprevisto. Uma minúscula pedra cortara o ar, alojando-se no palanquim do senador, ferindo levemente o rosto de sua esposa.

        Grande alarme ocorreu na comitiva de servos e soldados, e um rapaz que se encontrava nas proximidades é capturado pelo lictor que comandava a expedição e apresentado ao senador como responsável pelo delito.

        Públio manda açoitar severamente o rapaz sob o sol causticante da tarde, ante o olhar espantado e compungido dos escravos e centuriões presentes. O estalar do chicote no dorso seminu do moço – que gemia em soluços dolorosos -, só cessa quando a esposa pede súplica ao marido o fim do castigo. O senador ordena então a suspensão do castigo, mas condena o rapaz à trabalhos forçados nas galeras, que significavam a morte ou a escravidão para sempre.

        Ao ouvir a sentença condenatória, o rapaz deita sobre Públio Lentulus um olhar de ódio e desprezo supremos e no âmago de sua alma nasce um sentimento de vingança e cólera. A viagem segue então seu curso normal e os viajantes chegam a Jerusalém.

        Três dias depois, um judeu humilde chamado André de Gioras o procura para uma entrevista, identificando-se como pai do rapaz preso, implorando-lhe clemência para o filho. Porém o senador recordando a necessidade de fazer sentir a autoridade de sua posição, se nega orgulhosamente a revogar sua deliberação.

        André de Gioras ferido em sua emotividade de pai e em seu sentimento de homem jura vingança, estremecendo a alma inflexível e fria do senador.

        Públio Lentulus e a família haviam se transferido para a Palestina visando a recuperação da filha que era portadora de uma doença na época considerada incurável, na esperança que o clima de Cafarnaum trouxesse melhoras à menina. Lívia implorou ao marido que procurasse o profeta de Nazaré na esperança de uma cura definitiva para a pequenina, visto o grande número de comentários do povo naquela época sobre as curas operadas por Jesus.

        O senador aquiesce ao pedido da esposa, dizendo-lhe porém que iria à procura do messias, mas que não chegaria ao cúmulo de abordá-lo pessoalmente, descendo de sua dignidade social e política, mas que pretendia um encontro fortuito com Este, e que se sobreviesse alguma circunstância favorável, far-lhe-ia sentir o prazer que lhes causaria a sua visita, com o intento de reanimar a doente.

        Quando as horas mais movimentadas do dia se escoaram e o crepúsculo começou a se fazer visível, o senador então se colocou no caminho que conduzia a uma antiga fonte da cidade que era motivo de atracção para os forasteiros, na estrada que conduzia às margens do Tiberíades, onde Jesus era frequentemente visto em suas pregações.

        Depois de mais de uma hora de expectativa, dá-se então o encontro de Públio Lentulus com Jesus, que ele descreve como um homem ainda moço, cujo olhar transparecia profunda misericórdia, além de uma beleza suave e indefinível. Longos cabelos sedosos moldavam-lhe o semblante compassivo, cujo sorriso divino revelava ao mesmo tempo bondade imensa e singular energia, irradiando de sua melancólica e majestosa figura, uma fascinação irresistível.

        Jesus lhe aconselha que mude de caminho, exortando o homem de Estado superficial e orgulhoso, a ter fé e ser humilde, imitando o exemplo da esposa. Que os poderes do império eram bem fracos e todas as suas riquezas bem miseráveis...

        Jesus ainda lhe fala das efemeridades das magnificências dos Césares e das glórias terrenas, porquanto um dia todas as criaturas são chamadas aos tribunais da justiça de seu Pai, deixando as águias poderosas de existir, para se transformar num punhado de cinzas misérrimas e que apenas uma lei imutável prevalece ante as inquietações dos homens – a lei do amor, instituída por Deus, desde o princípio da criação...

        No final do diálogo, Jesus diz-lhe:

        — "Agora, volta ao lar, consciente das responsabilidades do teu destino...

        "Se a fé instituiu na tua casa o que consideras a alegria com o restabelecimento de tua filha, não te esqueças que isso representa um agravo de deveres para o teu coração, diante de nosso Pai, Todo-poderoso!..."

        Mas Públio Lentulus em sua presumida superioridade, prefere se entregar ao orgulho que lhe caracterizava a personalidade, esquecendo todas as exortações do profeta de Nazaré, não chegando nem mesmo a reconhecer-Lhe a intervenção na cura da filha.

        Na mesma noite tem um sonho onde entre outras coisas, vê um juiz ostentando uma toga extremamente alva que lhe fala:

        " — Públio Lentulus, porque desprezaste o minuto glorioso, com o qual poderias ter comprado a hora interminável e radiosa da tua redenção na eternidade?

        "Estiveste, esta noite, entre dois caminhos  o do servo de Jesus e o do servo do mundo. No primeiro, o jugo seria suave e o fardo leve; mas, escolhestes o segundo, no qual não existe amor bastante para lavar toda a iniquidade... (...) Sofrerás muito, porque nessa estrada o jugo é inflexível e o fardo pesadíssimo; mas agiste com liberdade de consciência, no jogo amplo das circunstâncias de tua vida... (...) Não te condenamos, para tão somente lamentar o endurecimento do teu espírito em face da verdade e da luz! Retempera todas as fibras do teu "eu", pois enorme há-de ser, doravante a tua luta!..."

        À partir de então sua vida se transforma numa sequência de decepções e amarguras indescritíveis.

        André de Gioras trama e executa o rapto do filho Marcus, intrigas e calúnias fazem com que ele desconfie da fidelidade da própria esposa...

        Relegada à indiferença e ao abandono do esposo, Lívia abraça ardentemente a fé cristã e em uma das reuniões nas catacumbas é feita prisioneira, vindo a morrer no circo.

        No final do livro Emmanuel conclui por si mesmo que enquanto Lívia vivera para Deus, ele vivera para César, recebendo ambos compensações diversas na estrada do destino. Enquanto o jugo de Jesus fora suave e leve para a esposa, seu coração altivo e orgulhoso estava preso ao terrível jugo do mundo, sepultado nas dores irreversíveis, sem claridades e sem esperanças. Acabou os últimos dez anos de sua vida cego, amargando as pungentes revelações de André de Gioras, ainda num gesto de transformação de sua alma, perdoando-lhe as infortunadas acções.

        Desencarna fatidicamente em Agosto de 79, na terrível erupção do Vesúvio.

        Mas errar em uma existência não significa estar condenado para sempre, pois todo erro pode ser reparado.

        Em seu segundo romance "50 Anos Depois", prefacia Emmanuel:

        "Cinquenta anos depois das ruínas fumegantes de Pompeia, nas quais o impiedoso senador Públio Lentulus se desprendia novamente do mundo, para aferir o valor de suas dolorosas experiências terrestres, vamos encontrá-lo, nestas páginas, sob a veste humilde dos escravos, que o seu orgulhoso coração havia espezinhado outrora. A misericórdia do Senhor permitia-lhe reparar, na personalidade de Nestório, os desmandos e arbitrariedades cometidas no pretérito, quando, como homem público, supunha guardar nas mãos vaidosas, por injustificável direito divino, todos os poderes. (...)"

        Nestório era um negro de grande cultura que fora feito escravo pelos romanos, sendo comprado por uma nobre família de patrícios. Cristão desde criança, chegou a alcançar a velhice do apóstolo João, conhecendo-o em suas pregações evangélicas em Éfeso. O livro ainda nos chama a atenção sobre a lei de causa e efeito, mostrando o imperativo do resgate das faltas, nas trilhas da evolução espiritual.

        Em uma das reuniões nas catacumbas, quando substituía um pregador ausente, Nestório é feito prisioneiro junto dos demais presentes, vindo a morrer no circo, numa morte semelhante a que tivera a esposa na reencarnação pretérita.

        Desde então o nobre espírito não mais se desvincularia da missão de propagação do Evangelho do Cristo, que viera a conhecer ainda na personalidade do orgulhoso senador romano.

        Em 12 de Janeiro de 1949, Emmanuel ditou a seguinte mensagem no grupo de estudos espíritas de Pedro Leopoldo:

        "O trabalho de cristianização, irradiando sob novos aspectos, do Brasil, não é novidade para nós.

        Eu havia abandonado o corpo físico em dolorosos compromissos, no século XV, na Península, onde nos devotávamos ao "crê ou morre", quando compreendi a grandeza do País que nos acolhe agora. Tinha meu espírito entediado de mandar e querer sem o Cristo. As experiências do dinheiro e da autoridade me haviam deixado a alma em profunda exaustão. Quinze séculos haviam decorrido sem que eu pudesse imolar-me por amor do Cordeiro Divino, como o fizera, um dia, em Roma, a companheira do coração.

        Vi a floresta a perder-se de vista e o património extenso entregue ao desperdício, exigindo o retorno à humanidade civilizada e, entendendo as dificuldades do silvícola relegado à própria sorte, nos azares e aventuras da terra dadivosa que parecia sem fim, aceitei a sotaina, de novo, e por Padre Nóbrega conheci, de perto, as angústias dos simples e as aflições dos degredados. Intentava o sacrifício pessoal para esquecer o fastígio mundano e o desencanto de mim mesmo, todavia, quis o senhor que, desde então o serviço americano e, muito particularmente, o serviço ao Brasil não me saísse do coração.

        A tarefa evangelizadora continua. A permuta de nomes não importa. Cremos no Reino Divino e pugnamos pela ordem cristã. Desde que reconheçamos a governança e a tutela do Cristo, o nome de quem ensina ou de quem faz não altera o programa. Vale, acima de tudo, a execução (...)".

        Manuel de Nóbrega nasceu na vila portuguesa de Sanfins, nas cercanias de Vila Real, em Entre-Douro-e-Minho, a 18 de Outubro de 1517.

        Estudou nas Universidades de Salamanca e Coimbra, bacharelando-se em direito canónico pela última. Ingressou na Companhia de Jesus em 1544, e cinco anos depois designado por Dom João III, embarcava juntamente com Tomé de Souza para o Brasil, desembarcando na Bahia em 29 de Março de 1549.

        Colaborou na fundação das cidades de Salvador e do Rio de Janeiro e foi sua a iniciativa da fundação da cidade de São Paulo em 1554.

        Virtuoso, enérgico, de um carácter por assim dizer tenaz, exercia grande ascendência moral sobre os religiosos, colonos e índios.

        É considerado o primeiro escritor do Brasil, pelas suas cartas informativas sobre o país, escritas da Bahia e pelo livro "Diálogo sobre a conversão do Gentio".

        O confrade Clóvis Tavares no livro "Amor e Sabedoria de Emmanuel", nos fala de uma mensagem de Emmanuel, recebida em Pedro Leopoldo, no dia 13 de Março de 1940, que trata sobre o encontro do senador Públio Lentulus com o apóstolo Paulo em Roma.

        Emmanuel conta que este encontro se deu pouco depois da trágica desencarnação de Lívia, quando o espírito do senador ainda se encontrava bastante atormentado. Em dos trechos da mensagem Emmanuel relata:

        " (...) As palavras de Paulo eram firmes e consoladoras. O grande convertido não conhecia a úlcera que me sangrava o coração, todavia, as suas expressões indirectas foram, imediatamente, ao fundo de minh'alma, provocando um dilúvio de emoções e de esclarecimentos."

        Na espiritualidade o grande convertido de Damasco que sempre se dedicou a amparar "as grandes inteligências afastadas do Cristo, compreendendo-lhes as íntimas aflições e o menosprezo injusto de que se sentem objecto no mundo, ante os religiosos de todos os matizes, quase sempre especializados em regras de intolerância", prometeu auxiliá-lo em suas posteriores existências terrenas.

        Talvez seja por isso que em gratidão a este gigante do evangelho, o padre Manoel da Nóbrega chegou a adiar a inauguração do Colégio de Piratininga, a que deu o nome de "São Paulo", para o dia da conversão do Apóstolo, comemorado em 25 de Janeiro.

        Desencarnou no Rio de Janeiro, no antigo Morro do Castelo, em 18 de Outubro de 1570, ao completar 53 anos de idade, vítima de tuberculose.

        Podemos dizer que Emmanuel é na actualidade - sem sombra de dúvida -, um dos mais valorosos espíritos encarregados de propagar a Terceira Revelação na Terra. Mentor Espiritual responsável pela obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier, escreveu mais de 100 livros que tratam dos mais diversos assuntos entre Filosofia, Ciência, Literatura, e principalmente Exortações Evangélicas, sendo orientador também de diversos espíritos, como André Luiz, do qual prefaciou vários livros.

        Chico Xavier disse certa vez notar em Emmanuel o mais alto grau de tolerância, por sempre tratar todas as questões com o máximo de respeito pela liberdade e ideias dos outros.

        Nestas despretensiosas linhas, lembramos um pouco das "vidas" e da obra deste grande discípulo do Cristo, que sempre nos consolou com suas mensagens confortadoras e instrutivas, onde sempre ressaltou que o grande desafio que temos pela frente é o de: "Evangelizarmos a nós mesmos..." 

Bibliografia:

(Jornal Verdade e Luz Nº 167 Dezembro de 1999)

 

 

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